Viver em outro país é como fazer um tour numa savana: você observa o comportamento dos animais, digo, das pessoas, em seu habitat natural, é atingido por eles em alguns momentos, como quando uma zebra se aproxima do seu jipe e te lambe, mas no fim tudo bem. Você volta pro seu hotel e fica com fotos incríveis para colocar no seu instagram e algumas boas histórias pra contar.
Deixo aqui uma pequena lista de coisas que me chamam a atenção observando o dia-a-dia da Venezuela.
1- O Toddy que não acompanhou a evolução da engenharia de alimentos
Uma ótima maneira de trazer a infância de volta, afinal: relembrar é viver! Por aqui, o Toddy continua igual ao dos anos 90 e forma muitas pelotas de chocolate, não sendo capaz nem de mudar muito a cor do leite. Obviamente, dá pra dissolvê-lo bem se o leite estiver quente, mas quem quer leitE quentE em dias de 30°C?
Resultado da mistura feita sem aplicar nenhuma técnica de infância, como colocar primeiro o chocolate e ir adicionando o leite aos poucos, enquanto mexe. Por motivos científicos.
Já que leite quente dói no dente, a opção mais popular por aqui é bater a mistura no liquidificador, o que para mim entra na categoria “trabalho excessivo e absurdo”, mas que aqui é considerado nada mais que normal, o que me leva ao segundo ponto:
2- Venezuelanos não têm preguiça na cozinha
Não sei você, mas para mim, usar o liquidificador toda vez que tomo um toddy está além das minhas capacidades. Ok, eu sei, faz espuminha, fica mais gostoso, mas mesmo assim! Já aqui, isso parece ser a regra e todos ficam felizes com isso. Porém, o que eu entendo ainda menos é a energia dispensada à preparação do café da manhã. Quer dizer, na minha família, nossa vontade de fazer qualquer coisa de manhã é tão pequena que preferimos comprar pão na noite anterior e comer pão amanhecido no café. Café coado nunca foi visto, porque isso é trabalhoso demais, então dale nescafé! Além de pão, podemos ter também coisas já prontas ou sem necessidade de preparação, como frutas, cereais e bolos preparados anteriormente, ou comprados prontos mesmo, oras! Nos raríssimos dias – sempre feriados, jamais dias úteis – em que minha mãe acorda inspirada e faz ovos mexidos eu pergunto: Quem é você e o que você fez com minha mãe??!?? Além de achar super estranho, confesso que acho bem desnecessário, afinal, comer ovo de manhã é um exagero.
Mas não aqui na Venezuela. O café da manhã mais tradicional é a arepa, sempre preparada na hora. É verdade que a preparação é extremamente simples: misturar a farinha de milho (harina pan) com água e sal, preparar o formato e colocar em uma frigideira untada com óleo. Simples, fácil e até que bem rápido, mas o fogo tem que estar baixo para conseguir assar a parte de dentro sem queimar a parte de fora, e isso vai te levar pelo menos uns 15 minutos para preparar arepa para no máximo duas pessoas. Eu sempre tenho a impressão de que de manhã cedo o tempo parece passar muito mais lentamente, então 15 minutos passam pela minha cabeça como se fossem 30. Ou seja, são quinze minutos que parecem trinta em que você poderia estar dormindo mais na sua caminha! Ainda pior se você estiver preparando comida para uma família maior, aí o choro é livre.
Olha, se eu tiver que escolher entre comer arepa com 15 minutos a menos de sono ou então comer um pão com manteiga com 15 minutos de sono a mais, escolho a última opção sem pestanejar.
Muitos minutos de sono perdidos num prato só
Nas vezes em que viajei por aqui com famílias venezuelanas, morri de tédio e sono só vendo eles prepararem o café da manhã, imagina se teria força para fazê-lo! Afinal, não só de arepas se faz um desayuno: tem que passar o café, esquentar o leite, fazer um suco de frutas natural, ou até mesmo dois sucos diferentes, de acordo com a preferência dos familiares, colocar as mil opções de molho na mesa, queijos, presuntos, tudo em variedade. Além disso, venezuelanos adoram ovo de manhã. Só que não basta ser apenas um ovo mexido, tem que ser o tal do “Perico”, que é ovo mexido com muita cebola e tomate, que você obviamente tem que picar, e olha… começar o dia já chorando por causa de uma cebola é demais para mim.
3- A impossibilidade de fazer ligações a cobrar
Saindo do tema “comida” e falando de uma coisa que efetivamente me incomoda, aqui não se poder fazer ligações a cobrar. Não que eu queira ficar ligando para as pessoas sem pagar, até porque detesto falar no telefone. Mas sempre tem aquele momento em que você precisa e muito falar com alguém e não tem crédito. Em geral, isso acontece em viagens. Você está em um povoado, num domingo, onde não existe a menor possibilidade de comprar mais crédito e simplesmente não consegue ligar para seus companheiros de viagem, ou para o seu hotel, ou para o amigo que você pretende visitar aí. Sem crédito você também não tem internet e wifi liberada já nem é tão comum em Caracas, imagina em pequenos povoados.
Até imagino que seja assim em muitos outros países e nem lembro como era na França, mas continuo achando que isso deveria mudar. Aliás, apoio que a revolução traga internet gratuita para todos em todos os locais AGORA!
4- Se dirigir a todas as pessoas com palavras carinhosas
Já tinha comentado num post anterior sobre o costume que muitas pessoas aqui tem de chamar os outros de “mami” e “papi”. Mas a coisa vai muito além, como termos como “mi amor” , “mi bella/o” sendo usados sem nenhum critério de intimidade, e o que na minha opinião é mais impressionante de todos: MI REINA.
Sim, minha rainha.
Minha reação interna sempre que ouço isso
O motivo pelo qual eu acho isso muito estranho e cômico é bem simples: eu sou de Curitiba. Já pensou você na fila do Mercadorama, plenas 18 horas, se dirigindo à trabalhadora do caixa assim : “Minha rainha, dá pra apurar? ” ??????????????????????????????????????
Fica a dica de um teste sociológico pra quem quiser.
É isso